terça-feira, 22 de setembro de 2009

Eucalipto : O verde enganador

Reflexões sobre o avanço irrefreado da monocultura do eucalipto e os imensuráveis impactos ambientais e sociais deledefluentes
As “belas” imagens elaboradas em meio ao enredo de uma recente novela “das oito”, veiculada pela maior emissora de televisão do país, que procurou infundir à grande audiência vitimada pela falta de acesso a canais alternativos de informação, a ideia do quão “maravilhoso” é o mundo recoberto por vastas e verdejantes plantações de eucaliptos, podem ser retidas como exemplo seguro deste tempo tão acrítico, marcado pela deificação do consumo.
Chegou-se ao cúmulo de inserirem cenas na sobredita novela global em que atores, saltitando alegremente no meio de bosquetes de eucalipto, deitavam cantilenas a respeito da falsa imagem da convivência harmônica do clonado eucaliptal e os seres silvestres. Dizem que até cantarolar de pássaros e a presença de outros bichinhos mostrou-se em meio à vastidão da monocultura representada na trama novelesca.
Ainda na vereda de refletir-se sobre as imagens construídas pela grande mídia empresarial no afã de sedimentar na consciência nacional a sacralidade da tríade monocultura-agronegócio-biotecnologia, nos deparamos, em meados de janeiro deste ano, com a notícia, mui comemorada nos escaninhos empresariais, de que, após meses de tentativas, finalmente o Grupo Votorantim, que ostenta entre seus quadrantes a empresa Votorantim Celulose e Papel, doravante nominada como VCP, conseguiu, com o auxílio luxuoso do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, arrematar o controle da empresa Aracruz Celulose, com a observação de que os aportes de recursos públicos injetados na operação chegaram a casa (note-se bem, nestes tempos de crise global) dos R$ 2,4 bilhões. O BNDES, segundo as notícias, já era detentor de R$ 2 bilhões em ações junto a Aracruz. i Tudo muito limpo. Tudo muito moderno. Tudo muito globalizado e politicamente correto nestes tempos, como acima sublinhado, em que a imagem comprada na mídia pesa mais do que quaisquer outros valores, até mesmo sobre a dignidade humana, tantas vezes trucidada no obscurantismo da pátria real, bem distante dos interesses veiculados por nossos maravilhosos veículos de mídia.
Mas, para a grande maioria da população, avulta escamoteada por essas imagens e representações orquestradas pela grande mídia uma triste realidade: a de que essas empresas do setor de papel e celulose, responsáveis pela expansão, em larga escala, do eucalipto em várias regiões do país, vêm sendo questionadas pelos movimentos populares como uma das principais causadoras de desastres ambientais e sociais incomensuráveis, motivadores de êxodos rurais e espoliações de terras indígenas e pelo estrangulamento e paulatina aniquilação de modos tradicionais de produção rural, como a agricultura familiar, pois, ao contrário das imagens construídas pela mídia, as plantações mercantis de eucalipto – como toda e qualquer monocultura semeada nas artificialidades dos laboratórios das grandes corporações – não interage com a natureza. Nelas não há possibilidade alguma de existir vida diversificada, intercâmbio biológico, cadeia alimentar e condições naturais que permitam a sobrevivência, até mesmo, do mais rasteiro dos insetos.
Dessa realidade estéril é que resulta o conceito – tão bem lapidado ao tema – do DESERTO VERDE, concebido pela população rural afligida por seus negativos impactos. ii
Sobre o mote, é sempre válido trazer à baila o depoimento do biólogo Elbano Paschoal, que acompanhou o drama da devastação ambiental, gerada pela monocultura do eucalipto, no sul da Bahia: “O desprezo e crueldade dispensados à fauna silvestre pelos promotores da monocultura de eucalipto, utilizando totalmente tabuleiros e terras planas, deixando apenas alguns grotões (ilhas de áreas íngremes) para ‘refúgio’ da fauna silvestre são estarrecedores. Muitas espécies não vivem (não estão adaptadas) em áreas com relevo acidentado, e estão sendo localmente extintas, especialmente as espécies endêmicas e raras. Além do mais, não há conectividade entre as ilhas de vegetação (nativa) imersas no mar de eucalipto. O eucaliptal não representa um corredor ecológico pleno, pois sabemos nós, ambientalistas, cientistas, empresários, técnicos do governo, etc., que inúmeras espécies não atravessam, muito menos utilizam o eucaliptal. Algumas espécies, mesmo as aves, cuja capacidade de deslocamento é maior que a de outras, sequer atravessam uma estrada aberta num ambiente natural”.iii
Note-se: estamos a refletir não sobre meia dúzia de árvores exóticas, e sim sobre milhões e milhões de hectares recobertos por eucaliptos, para fins exclusivamente mercantis, fomentados pelas sobreditas empresas de celulose em várias regiões do país: sobre o já desertificado sul da Bahia, sobre o devastado norte do Espírito Santo, norte de Minas, região dos pampas gaúcho e sobre o Vale do Paraíba, em São Paulo, onde só a VCP detém mais de 259 fazendas recobertas por eucaliptos em mais de 35 municípios, com o estratosférico potencial de corte de 2.500.000 m3 de toretes por ano iv.
Nessa escala vertiginosa da monocultura, os impactos sociais e ambientais são incomensuráveis, até porquê a pesada e custosa estrutura fiscalizatória governamental (Ministérios Públicos Estaduais e Federais, DPRN, IBAMA, Polícias Ambientais, etc.) tem se mostrado inativa na vigilância e repressão a essas transgressões ambientais todas.
Segundo relatos formulados pela FASE/ES e constantes da CPI da Aracruz, desenvolvida na Assembléia Legislativa do Espírito Santo em 2002, a tão festejada agroindústria da celulose recobriu territórios originalmente ornados pela Mata Atlântica, tida pelo próprio texto constitucional como patrimônio nacional em função de sua riqueza em biodiversidade v, por vastos plantios de eucalipto com o escopo único de fomentar a indústria de celulose, reduzindo a cobertura vegetal natural no Espírito Santo, que era de 4 milhões de hectares em 1990 (cerca de 86,88% da área do Estado) para escassos 402.392 hectares (8,34% do território estadual). Em outras palavras, a sacrossanta Aracruz substituiu, guiada por objetivos meramente mercantis, a maior biodiversidade do mundo pela estéril e exótica monocultura. Para tanto ocupou terras indígenas, poluiu o meio ambiente, insuflou o desemprego e êxodo rurais e instaurou um crescente processo de desertificação no norte do Estado, cuja devastação social pode ser constatada pelos depoimentos constantes da aludida CPI que, pelo fragor das notícias veiculadas pela grande mídia, parece ter resultado em absolutamente nada.
O avanço desenfreado dessa monocultura no Sul da Bahia e norte de Minas, segundo informes de geógrafo da universidade de São Paulo, já fez secar mais de 4 mil nascentes do Rio São Francisco vi, e só agora, após décadas de denúncias pelos movimentos sociais, é que a empresa Veracel Celulose, pertencente a Aracruz, foi condenada, em primeira instância da Justiça Federal, pela devastação da Mata Atlântica no sul da Bahia. vii
Os perversos impactos sociais e ambientais derivados da expansão dessa monocultura já estão sendo debatidos no âmbito do Tribunal de Justiça em São Paulo pela Defensoria Pública Regional de Taubaté-SP, que a pedido dos movimentos populares de defesa dos direitos dos pequenos agricultores de São Luiz do Paraitinga-SP o MDPA, ajuizou Ação Civil Pública nesse município viii, já absorvido pelo questionado cultivo em cerca de 20% de seu território quando, sabemos, os índices máximos tolerados pelos parâmetros de zoneamento agroflorestal traçados por normas expedidas pela OMS e por estudiosos no assunto, não suplanta a faixa de segurança de 5% dos territórios agricultáveis em cada município, sob pena de inviabilizar-se a concretização do tão propalado desenvolvimento sustentável e assegurar-se a preservação dos recursos naturais e áreas destinadas ao cultivo de alimentos.
Para alcançarem esse nível estratosférico de expansão, os expertos cientistas a serviço da florescente e rica indústria papeleira, desenvolveram mudas de eucalipto caracterizadas pelo hibridismo e pela clonagem, com níveis baixíssimos da substância conhecida como lignina (que serve para emprestar tessitura e consistência ao enfeixamento fibroso de qualquer madeira), permitindo um crescimento recorde dessas imensas árvores (em média, 6 anos para o primeiro corte) bem assim facilitando o processo industrial do branqueamento da massa de celulose e evitando, com isso, o anticomercial efeito do amarelecimento precoce do papel posto no mercado de consumo.
Afora o intenso processo químico historicamente utilizado na produção industrial do papel, as empresas fomentadoras desses cultivos – seja em terras próprias ou arrendadas – necessitam infestar o solo destinado à instalação da monocultura do eucalipto com toneladas e toneladas de pesticidas à base de glifosato (dentre outras tantas pestilências químicas), geralmente manejado com a aplicação do conhecido herbicida Round’up, da Monsanto, a fim de eliminar a presença de formigas e outros elementos naturais potencialmente nocivos ao esperado desenvolvimento das clonadas mudinhas, em processo tecnicamente conhecido como capina química.
Por influxo direto do engenho e arte dos cientistas a serviço dessas portentosas empreendedoras, e para a felicidade dos gestores e acionistas das companhias em referência, as mudas dos eucaliptos, a priori concebidas em laboratórios, são imunes aos efeitos químicos do glifosato, não sentem sua acidez, nem sua efervescência, nem qualquer atributo lesivo passível de contaminação desse devastador componente químico.
Mas a natureza não passa incólume a tanta desgraça!
Numa região caracterizada, geograficamente, como sendo um mar de morros, hoje vislumbramos um vasto mar verde, mar de eucalipto, mar morto.
Segundo declarações do campesinato local, em meio à insana expansão em escala industrial dessa monocultura, seus empreendedores não respeitam norma ambiental alguma, investem sobre cumes de morros, violam áreas de nascentes, irrompem em várzeas e aniquilam matas ciliares, intoxicando cursos d’água, rios e provocando a morte de incontáveis espécies da fauna local.
O zoneamento ambiental erigido em meio ao Código Florestal para fins de proteção das APPs – Áreas de Preservação Permanente – é copiosamente ignorado pelas empresas responsáveis por essa escalada absurda do cultivo nocivo dessas plantas exóticas, posto que implementam o plantio de eucaliptos em vilipêndio às distâncias mínimas demarcadas pelo artigo 2º da Lei Federal nº 4.771/65.
Pela lógica informadora das forças gravitacionais, auxiliada com o adorno dos ventos e ocorrências de chuva, grande parte das toneladas e toneladas dos materiais químicos utilizados no manejo da monocultura acaba atingindo as nascentes, cursos d’água, córregos, rios, contaminando pessoas, animais, pastagens, enfim, dando causa a um desastre ambiental ainda não devidamente mensurado, isso para não se falar do esgotamento de poços, minas d’água e demais corpos hídricos em função do enorme poder de sucção do eucalipto, responsável pelo abandono de inúmeras posses rurais pelos agricultores afligidos com o ressecamento de suas fontes de água.
Afora isso, a formação de enormes latifúndios recobertos pelo exótico cultivo acaba aniquilando a diversidade cultural das localidades campesinas, inviabilizando o desenvolvimento da agricultura familiar, da pequena pecuária que há séculos eram implementadas pelas populações locais vitimadas pela escala hipertrófica da monocultura, fazendo com que se extinguam manifestações culturais tradicionais como festejos populares, atos devocionais emanados de lugares tidos como sagrados pela população originária, agora suprimidos pelos grandes latifúndios do eucalipto, consumando tudo de ruim que se possa perceber numa região já assolada pelo avanço da monocultura.
Tal qual a certeira interpretação tecida em obra fundamental pelo Prof. Carlos Walter Porto-Gonçalves, embora seja um dos pilares de sustentação da moderna agricultura capitalista “a monocultura revela, desde o início, que é uma prática que não visa satisfazer as necessidades das regiões e dos povos que produzem. A monocultura é uma técnica que em si mesma traz uma dimensão política, na medida em que só tem sentido se é uma produção que não é feita para satisfazer quem produz. Só um raciocínio logicamente absurdo de um ponto de vista ambiental, mas que se tornou natural, admite fazer a cultura de uma só coisa. ix
E todos esses questionamentos deram conteúdo à referida AçãoCivil Pública, cujas provas, de tão consistentes, alicerçaram uma vitória inédita para o movimento social que vive a suscitar o debate atreito aos efeitos da expansão, sem limites, das monoculturas no país: é que a 1ª Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acolheu recurso interposto pela Defensoria Pública Estadual e, reconhecendo os severos impactos sociais e ambientais no município de São Luiz do Paraitinga-SP, determinou a suspensão de todo e qualquer plantio do eucalipto na região até a feitura pelas empresas VCP e Suzano de Estudos de Impacto Ambiental – EIA/RIMA, devidamente guarnecidos com audiências públicas junto às populações locais. x
Outra decisão relevante sobre o tema foi proferida pela Juíza Federal Clarides Rahmeier na Ação Civil Pública n. 2006.71.00.011310-0, da Vara Ambiental de Porto Alegre que, a pedido de entidades ambientais, determinou a suspensão de publicidade oficial, promovida pelo governo do Rio Grande do Sul, reputada enganosa porque só externava aspectos positivos do programa estatal de fomento à monocultura naquele Estado sem divulgar ao público as fundadas questões atreitas aos danos ambientais e sociais experimentados pela população vitimada pela expansão, em altíssima escala, do polêmico cultivo.
Como se percebe, os questionamentos que cingem o modelo agroindustrial encetado ao país pela elite dirigente são consistentes, exigindo um debate mais aprofundado para que a sociedade tenha acesso a informações mais completas a respeito dos imensuráveis impactos desse modelo de produção nos recursos naturais e seus reflexos junto às populações vitimadas.
O que choca, pela menos àqueles que detêm uma consciência mais aguda sobre essa realidade circundante, e que os veículos da grande mídia insistem em sonegar, é o absurdo investimento de recursos públicos a insuflar uma atividade submetida a tantas e severas denúncias de degradação. A atuação do BNDES no fomento à expansão de tão danosa monocultura afronta preceitos legais enfeixados no acervo normativo voltado, teoricamente, à tutela do meio ambiente, em especial, ao que preconiza o artigo 14 da Lei Federal n. 6.938/81, instituidora da tão ignorada Política Nacional do Meio Ambiente, que é expresso ao determinar a perda e restrição imediata de quaisquer subsídios públicos à atividades danosas ao meio ambiente. O verde que recobre a agroindústria, como vemos, é enganador. As vastas plantações de eucalipto não são florestas, não se prestam a restaurar as infindáveis áreas de matas nativas suprimidas por esse insano modelo econômico e não geram nem a décima parte da oferta de empregos bradada por seus empreendedores. O que fica, especialmente por parte dos integrantes dos movimentos sociais que vivem a denunciar essa série sem precedentes de devastações, é a espera do momento em que órgãos fiscalizatórios, como o Ministério Público Federal, iniciem a necessária repressão sobre esses gastos desarrazoados de dinheiro público em atividades notoriamente degradantes. Se isso um dia se consumar, espera-se, não seja tarde demais.

Serra cria apartheid no sistema público de saúde de São Paulo

Com nova lei, organizações sociais e planos de saúde são presenteados por tucanos
AGÊNCIA BRASIL DE FATO – Eduardo Sales de Lima
No dia 14, fazia quatro dias que a neta de Lúcia Rejane estava internada na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Recém-nascida, a menina possui um tumor na parte externa de sua cabeça. Ela permanece internada porque a máquina de ressonância magnética está quebrada e só esse exame permitirá o diagnóstico: tumor maligno ou benigno. Preocupada, tensa, Rejane fumava dentro do complexo da Santa Casa, num espaço exterior. O hospital é público e administrado por uma organização social (OS), a Irmandade Santa Casa de Misericórdia do Estado de São Paulo.
A alguns metros de Rejane, uma contradição. Existe um outro hospital, o Santa Isabel, que só atende a pessoas conveniadas e também pertence à Irmandade Santa Casa. Causa estranheza, entretanto, um hospital privado ocupando um complexo hospitalar público.
A porta do pronto-socorro do hospital Santa Isabel é automática, seu interior é bem acabado, mas o mesmo se encontra vazio. Do lado dos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), contando 50 metros de distância, cerca de 150 pessoas lotavam um pronto-socorro.
Rejane não estava no PS, mas, diante da sua realidade e das dezenas de pessoas esperando por atendimento médico, desabafa: “A gente não tem dinheiro e fica assim; é ruim ter essa diferença, mas os governantes querem assim”. A dona de casa reclamou também da falta de informação e do péssimo atendimento dado a sua neta.
A “diferença” de tratamento citada pela avó aflita poderá aumentar ainda mais com a nova lei aprovada pelo governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Com a mudança, o tucano poderá ampliar a terceirização de unidades públicas de saúde para entidades privadas em São Paulo e permitirá que até 25% dos atendimentos sejam dedicados aos planos de saúde. Ou seja, os hospitais estaduais gerenciados por OSs serão reembolsados por atendimentos prestados a pacientes que tenham planos de saúde.
O deputado estadual Raul Marcelo (Psol) explica que o que já é presenciado por Lúcia Rejane também o será por inúmeras pessoas. “Vai criar o apartheid nos hospitais. Nas Santas Casas já existe uma porta do SUS e outra de um órgão privado”. Como na realidade presenciada por Lúcia Rejane, Raul reforça: “é a porta do plano de saúde vai ser a modernizada”.
Mais. Para os críticos da nova lei, o atendimento a convênios prejudicará os pacientes mais pobres, que comumente enfrentam filas enormes, enquanto pessoas com cobertura privada desfrutarão, dentro da rede pública, de melhores serviços. Em declaração ao Correio da Cidadania, o diretor do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Mário Scheffer, reforça o conceito de divisão social já dito pelo deputado Raul Marcelo e também acredita que “isso cria um verdadeiro apartheid dentro do sistema”.
É só fazer as contas. Agora, as OSs vão atender 75% dos usuários do SUS e 25% de clientes com planos de saúde. Quer dizer, um pessoa que antes esperava sete meses para ser atendida por um endocrinologista, por exemplo, terá um acréscimo de 25% no tempo.
Para a administração tucana, o atendimento de planos traria mais recursos ao setor público. Mas a promotora pública Ana Trotta Yarid entrará com ação de inconstitucionalidade contra o projeto, que visa somente “abrir caminho para a entrada das organizações”.
Abre caminho para um setor e literalmente presenteia outro. Ela lembra, em entrevista ao Correio da Cidadania, que o governo sempre teve a possibilidade de cobrar dos planos pelos atendimentos que esses utilizaram na rede pública. O próprio secretário do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Ismar Barbosa Cruz, afirmou no início deste ano que a dívida dos planos de saúde com o SUS é de “no mínimo, R$ 4,3 bilhões”.
Nas tetas estataisRaul Marcelo chama atenção para dados de um relatório do Dieese. Ele mostra que, em 2004, foram gastos R$ 600 milhões com OSs e, em 2008, foram gastos mais de R$ 1 bilhão.
Roberto*, funcionário de uma unidade de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) da zona leste da capital paulista, gerenciada por uma OS, denuncia que foram gastos, só para a construção de um jardim estilo japonês, cerca de R$ 20 mil, sem nenhum tipo de fiscalização.“Isso revoltou os funcionários”, diz.
Por falar em revolta dos funcionários, a terceirização como consequência da criação das OSs é fator preponderante para a diminuição dos encargos trabalhistas. Entre 2000 e 2007, os gastos proporcionais com as OSs cresceram 114,14%, saltando de 9,76% para 20,90% dos recursos da saúde. Já as verbas para “pessoal e encargos sociais” caíram, proporcionalmente, 26,08%, saindo do patamar em 2000 de 53,58% para 39,6% em 2007. Esse dados constam do Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo), da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
O governo economiza custos e obtêm maior lucratividade. Roberto, entretanto, assinala que na AMA onde trabalha nunca observou a contratação de tantos funcionários, porém, todos terceirizados. Assim como chamou a atenção da reportagem o excesso de seguranças na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Foram observados cerca de 15 seguranças.
AssanhadoAlém de abrir as portas da bonança para as OSs e os planos de saúde, em dezembro de 2007, o governador ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF), para derrubar a lei estadual que criou os Conselhos Gestores de Saúde no SUS.
“O destaque mais negativo [com a aprovação da nova lei] é o fato dela desarticular o pouco que conquistamos no Brasil. Em primeiro lugar, a saúde é direito e dever do Estado. Em segundo lugar, ela tem que ter o controle social”, defende Raul Marcelo.
*nome fictício

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Aprovado projeto em defesa da educação no futebol paulista

O plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou na noite desta terça-feira, 1º de setembro, o projeto de lei do deputado estadual Raul Marcelo que obriga os clubes oficiais de futebol paulistas a garantir a matrícula e o acompanhamento escolar de todos os atletas menores de 18 anos. Todos os clubes de futebol que participam de competições organizadas pela Federação Paulista de Futebol (FPF) deverão participar desse esforço pela valorização da educação.
Após a sanção governamental, aqueles que descumprirem a lei serão punidos com multa estabelecida em 250 Ufesps (R$ 3.962,50 em valores atuais) por atleta e impedidos de participarem de torneios e competições oficiais. Os valores arrecadados serão destinados ao aprimoramento do ensino no estado de São Paulo, sob gestão da Secretaria de Educação.
A Federação Paulista será responsável por receber dos clubes os comprovantes de matrícula e frequência escolar e repassá-los à Secretaria de Estado da Educação e à Comissão de Educação da Alesp.
Raul Marcelo considera a aprovação do projeto “uma conquista que vai beneficiar o futuro de milhares de jovens que muitas vezes abandonam os estudos para se dedicar a contratos com clubes, na expectativa de serem beneficiados com contratos milionários como os noticiados todos os dias na mídia. Mas, infelizmente, esses contratos de milhões são exceção. E a maioria dos jovens acaba sem formação e sem emprego, expondo-se a situação de vulnerabilidade social”.
O texto do PL 238/2009 será remetido agora à sanção do governador do Estado, que tem 15 dias úteis a partir do recebimento do texto para sancionar ou vetar a lei.

Um grito contra a crise e a exclusão

Em sua 15ª edição, Grito dos Excluídos mostrará desaprovação dos trabalhadores com o atual modelo econômico
BRASIL DE FATO – Patrícia Benvenuti
A ordem é reivindicar, e não comemorar. Com esse mote, organizações populares, movimentos sociais e entidades ligadas à Igreja promovem a 15ª edição do Grito dos Excluídos, como contraponto às festividades oficiais da Semana da Pátria.
Neste ano, as atividades acontecerão em quase todos os estados, além do Distrito Federal, e a expectativa é de que mais de um milhão de pessoas participem. Em São Paulo, as ações ficarão concentradas no dia 7, a partir das 8 horas, com uma missa na Catedral da Sé. Na sequência haverá uma mística e falas iniciais e, em seguida, os manifestantes caminharão até o Monumento da Independência, no Parque Ipiranga, onde será realizado um ato público.
Sob o lema “Vida em primeiro lugar, a força da transformação está na organização popular”, o Grito se somará às mobilizações que têm denunciado o atual modelo econômico, responsável pela crise financeira, como explica Ari Alberti, integrante da Secretaria Nacional do Grito dos Excluídos: “O Grito questiona esse modelo econômico que está aí, que se sobrepõe à vida, e diz que, se quisermos mudanças, teremos que construir”.
A manifestação é caracterizada por suas pautas descentralizadas, de forma que cada região aborde suas próprias questões e particularidades. Alberti garante, porém, que alguns temas estarão no centro de todas as manifestações, como as denúncias recentes em torno do Senado. “Fica complicado ver a casa que faz as leis fazendo tantas falcatruas. Por isso, também o nosso lema, a força da transformação, está na organização popular”, ressalta.
Já Juvenal Rocha, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das organizações que participa da coordenação do evento, destaca a preservação do meio ambiente como uma das questões mais imediatas a serem trabalhadas. Para ele, a situação se agrava com a falta de políticas públicas que possam frear o avanço do desmatamento e do agronegócio. “O Grito mantém a população pelo menos informada de uma situação que pode diminuir a vida do planeta”, diz Rocha, lembrando que o combate ao trabalho escravo e o limite da propriedade rural também fazem parte das reivindicações.
O Grito ainda será um protesto contra a repressão aos movimentos sociais e a impunidade. Para Alberti, casos como a chacina que deixou sete moradores de rua mortos no centro de São Paulo em 2004 e a morte do sem-terra Elton Brum, no dia 21 de agosto, no Rio Grande do Sul, mostram a urgência de cobrar justiça e punição aos responsáveis pelos crimes. “Essa questão com certeza vai estar presente, assim como a falta de reforma agrária”, completa.
Saldo positivoDesdobramento da Segunda Semana Social Brasileira, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por pastorais e movimentos, o Grito dos Excluídos surgiu em 1995 reivindicando soberania e uma verdadeira independência para o país.
Ao longo de seus 15 anos, o protesto ganhou importância e participação crescente por parte de diversas organizações. Além do Brasil, o Grito hoje está presente em cerca de 15 países latinoamericanos, que promovem o Grito dos Excluídos Continental em outubro.
O alcance do Grito, para Alberti, demonstra o êxito da iniciativa, cuja principal contribuição tem sido consolidar um espaço de manifestação popular durante a Semana da Pátria. “Antes, a gente só tinha a oficialidade. Agora se vê que tem gente se manifestando com outros gritos nessa data. Hoje a Semana da Pátria está mudada, deixou de ser a semana dos desfiles oficiais para ser a do povo na rua”, completa.
Outra contribuição, para Rocha, é de manter a articulação entre diferentes redes dispostas a promover um trabalho de cidadania. “O Grito responde a uma necessidade da sociedade brasileira de que não basta apenas celebrar a Independência, porque o país ainda carece de políticas para uma parte que passa fome, que não tem acesso à saúde e a uma educação que responde à realidade”, assegura.
Apesar de comemorar os avanços do Grito, Alberti ressalta que ainda há muito o que conquistar. Nesse sentido, ele assegura que o maior desafio é incorporar cada vez mais pessoas que estão à margem do sistema. “Estamos no rumo de os excluídos serem, de fato, sujeitos do Grito”.

Projeto proibe constrangimento no Iamspe

O deputado Raul Marcelo (PSOL) apresentou projeto de lei (PL 715/09) proibindo a exigência de apresentação de contracheque ou qualquer comprovante de rendimentos para fins de atendimento ou procedimento médico na rede de atendimento do Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual).
Pela proposta, para ser atendido bastará que o usuário apresente a carteira de inscrição no Instituto ou equivalente. Caberá ao poder público atualizar os dados funcionais e desconto das contribuições junto ao Instituto, o que deverá ser regulamentado num prazo de 60 dias. Tal atualização seria viabilizada pela Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo), que processa informações funcionais de todos os servidores estaduais ativos e aposentados, e de seus dependentes.
Hoje muitos servidores têm sido obrigados a apresentar o holerite mais recente como prova do pagamento da contribuição mensal ao Iamspe. O mandato recebeu denúncias até de casos em que a clínica ou hospital arquiva cópia do contracheque. “Isso viola em demasia o direito à privacidade e ao sigilo fiscal do servidor, causando constrangimentos desnecessários, pela falta de um sistema de controle que atualize as informações dos contribuintes e as repasse ao Iamspe. Sistema que o Estado de São Paulo tem total condição de oferecer aos seus servidores”, ressalta o deputado.